sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Sinfonia - cado selbach

SINFONIA

O oceano das palavras
Que costuro em meus poemas
Compondo tênue tecido
...De lirismo anarquizado
é o mar dos entardeceres
Que ainda estão por vir

Mar de um verde desmaiado
Após o sol exilado
Mergulhar em exaustão
Na úmida cavidade
Da luxuriosa montanha
Que o abriga noite adentro
Sob a gótica sinfônica
De alguns lobos desgarrados
Em uivos em dó menor
Menor do que o dó que sinto

O dó ante tua recusa
A salvar-me de mim mesmo
Sorvendo o que ainda resta
Deu um eu feito metade
Com metade já sugada
Por histórias do passado
Por amores mal passados
E rancor reeditado
Pela tal reincidência
Dos afetos escondidos

E meu dó ainda espera
Que um dia caias em si
Quem sabe em dia de sol
Do sol nascido de lá
Onde escreves tuas notas
Tão precisas - tão seguras

E componhas canção tema
De minha ópera barroca
Com rococós de tristeza
E melismas de esperança
De dias eternizados
Em partituras sagradas
Pra entoarmos em uníssono
Melodia das esferas

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Sobre Valsinha, Chico Buarque e Mônica Salmaso... Ou... Da canção que salvou o dia - Cado Selbach



Hoje vivi uma experiência bastante simples mas amplamente reveladora de certos aspectos de minha personalidade e dos mais sinceros valores que trago comigo. Na verdade, é uma experiência subjetiva, que provavelmente no produza nenhum impacto sobre a maioria das pessoas. Trata-se de uma dessas ocasiões em que uma canção transforma um dia, expondo diante de nós uma aquarela de possibilidades para nos desenredarmos da toxicidade de nossos pensamentos viciosos.

Estava eu procurando alienar-me do mundo lá fora e seus sons ofensivamente urbanos, ouvindo uma playlist de canções especiais (dessas que podem transformar um dia...). E eis que escuto os primeiros acordes de "Valsinha" de autoria de Chico Buarque. No caso em específico, trata-se de uma sensível e previsivelmente impecável interpretação de Mônica Salmaso.

Fecho os olhos e me entrego à experiência de visualizar cada cena, na intenção de tornar a música uma tela de imagens em movimento, na qual desejava poder mergulhar. E é então que a escuto cantar sobre a resolução de um homem em imprimir lirismo ao seu cotidiano, pincelando seu dia com novas matizes. Dentre outras ações e intenções, opta por, neste dia, não maldizer a vida como costumeiramente fazia. E então conduz a mulher que o esperava no fim de tarde (é este, para mim, o tempo da circunstância relatada na música) até uma praça e a convida pra dançar. Subitamente. Enterneço-me já neste primeiro ato e danço ao redor deles como para mimetizar-me a esta atmosfera de delicadeza e poesia. a dança, cheia de sacralidade, desperta toda a vizinhança e a cidade se ilumina. Neste momento já estou submerso; transposto a um mundo paralelo onde podemos optar sempre que nos propusermos a isto pela quebra do ritmo alucinante em que vivemos e pela entrega despretensiosa ao que temos de melhor em nós: nossa capacidade de amar e organizar as próprias ações em torno deste amor. Vejo-me num "tempo-espaço", onde o amor se revela como força propulsora de um ato simultaneamente libertário e inusitado; de um outro jeito de nos movimentarmos frente aos nossos sentimentos e às coisas pelas quais nos sentimos verdadeiramente afetados. Pude sentir a textura e o gosto dos beijos loucos no qual resultou o clima protagonizado pelos dançarinos e uma parte de mim... silenciosa... entendeu exatamente o teor dos gritos roucos "como não se ouvia mais" e compartilhou o êxtase dos amantes.

E mesmo com a noite avançando, as imagens continuam passando em minha mente como um desses filmes antigos em que o amor é tratado sem o tom blasé de grande parte das produções contemporâneas.

Fui ternamente embalado por esta canção hoje à tarde. Agradeço ao Chico que, parafraseando Cássia Eller no seu cd "acústico MTV" é meu verdadeiro Pai. E à garganta esplandecida de Mônica Salmaso, que certamente também se deixou conduzir por sensações inadjetiváveis pra interpretar essa música capturando e imprimindo o tom onírico em que ela acontece.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Poema menina - Cado Selbach

Poema Menina

Hoje minha poesia é chuva fina
Gota no verde da folha
É meu poema menina

Menina quero que ouças
...essa canção disfarçada
de poema escrito às pressas
só pra enluarar o dia.

Nesse poema, menina...
não falo de coisa alguma
num tal de coisa nenhuma
que atordoa o céu da gente

O céu de nossas ideias
Estrelas também meninas

Poema de porcelana
Pura expressão da ânima
Feminino que me habita
E hoje faz poesia.

Qualquer coisa sobre o olhar - Cado Selbach

QUALQUER COISA SOBRE O OLHAR

Correm apressados e nervosos
Os homens que acordam
Em obediência aos despertadores...

Mal sabem pra onde
Nem sabem pra que

Será que os leva o desejo?
Ou a sina de se ter que obedecer
Ao imperioso Cronos?

Esbarram-se nas ruas
E fazem de paisagem
O chão de todo dia

Talvez por tanto medo
De sustentar olhares
Que cruzam apressados
E fogem arredios
Pra solidão infinda
Do fel de cada vida

Parecem temer que o outro olho os engula
Sobretudo se forem desses olhos que nos despem

E assim... coisificados e tornados parecidos

Desfilam suas cegueiras voluntárias
Que só vêm seus próprios demônios

.................................................................

Por onde andarão os olhos que marejam
Quando se encorajam em olhar o outro

Por onde andará o teu olhar?

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Sentença de morte - Cado Selbach

" - Um dia amanheço morto!"
Disseste assim, de súbito
Qual idéia delirante
Que transpassa a madrugada
Em tua cama de ausências
De uma vida esvaziada


E o disseste, assim, pro nada
No quarto de luz e sombra
E solidão povoada
De espectros domesticados


Quarto de vidraça embaçada
Da qual espias o vazio da estrada
Estrada de caminhos bifurcados
A confundir a direção a ser tomada
Pelos passos cambaleantes que ensaias
Na varanda... com teus pés já tão cansados

De medo e solidão... já tão cansados


Sairás pra rua logo... é certo
Mesmo que estejas incerto
Do "para que" e "para onde"


Talvez lá onde o sol se esconde
Quem sabe onde a lua nasce
E não há nada que faças
Pra desatrelar tua mente
Do medo do vir a ser
Do que se põe a tua frente
Do que te espreita na esquina


Do que está pra acontecer
Do arvoredo da colina
(vá que sirva de tocaia)
Onde imaginas à espreita
O mal com o qual te deitas

Feito só de pensamentos

Mesmo que tu não o saibas.

domingo, 21 de agosto de 2011

Da sacralidade dos desejos - Cado Selbach

Da sacralidade dos desejos

Teço a trama dos meus dias com a linha do horizonte
Para que nada me prive de vislumbrar o infinito
Afinal meus olhos fundos permanecem sempre atentos
...A buscar-te em qualquer canto pra onde tenhas levado
Teu corpo - templo sagrado - e tuas profanas palavras

E quando a busca resulta em vazio e desamparo
Giro em torno de mim mesmo para acordar de súbito
As memórias que carrego de nossos dias de ócio
E a profusão de desejos de meus atos libertários
Para acordar-te do sono de inocência presumida

E assim escrevo a história de nossas encruzilhadas
E escolhas por caminhos que nem sempre me aproximam
De teu rosto que confundo com minha própria identidade
E que desenho na areia, na qual arrasto meus passos
Enquanto sigo a buscar-te, feito andarilho confuso

Pra lembrar-te de outros tempos onde dançávamos juntos
A melodia encantada que só nós dois escutávamos
A embalar nossos dias de luxúria e alguns pecados
Absolvidos na hora por algum deus que compreenda
Que corpos são territórios onde habitam desejos...

sábado, 20 de agosto de 2011

Aracne - Cado Selbach

ARACNE



Teço os versos do poema

Tal qual a aranha sua teia

Que orvalho nas madrugadas
De lágrimas e suores



Pra que assim que nasça o dia
Brilhe o sol nas gotas d'água
Sacudindo a letargia
De meu corpo espreguiçado

- Da preguiça de existir num mundo mal acabado -

E exagero adjetivos pra enfeitá-lo de sentidos
Por preferir os excessos que a magia do entredito
Verborrágicas palavras sobre o pouco que já entendo
E que às vezes - sobrepostas - traem minhas intenções
Deixando escapar segredos de um "eu-lírico" apressado

E com pressa de dizer-me, entorno verbos de um jarro
Em que guardo protegidas minhas palavras transparentes
Proferidas em voz alta... e alta voltagem de afetos
No circo de meus horrores e amores sempre por perto

E tropeço toda hora em sílabas fugidias
Que se enroscam a meus pés qual tentáculos oníricos
Prendendo-me a velhos temas de tristezas desdobradas
moto-contínuo de vida sustentada por paixões
Quase sempre imaginadas e encaixotadas no sótão
Abarrotado de almas aprisionadas - mas vivas

E se um dia desabar o teto sob meu corpo
Cobrindo o chão da sala de meus mortos sempre vivos
Enlouquecerei um tanto pra dar-lhe as mãos em ciranda
Em alucinada dança do concílio dos banidos

E abraçarei meus fantasmas em gesto de boas vindas
Remontando na memória seus rostos feito mosaicos
Pois todos que já habitaram a caverna de meu peito
São partes fragmentadas do meu eu tão sempre inteiro

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Sobre amar-te (Sina) - Cado Selbach

encontrar-te é a forma mais rápida de achar-me
buscar-te é minha profissão e sina
perder-te é o atalho mais rápido pro nada
decifrar-te é a rota natural de minha estrada
que percorro andarilho da cidade desvairada

não saber-te é tatear vazios densificados
pelo silêncio desnorteante de tua voz sagrada
aquela que me negas ao ouvido acostumado
à textura de teu timbre sempre sensualizado
por desejos flutuantes quase sempre otimizados
pela dança de teus passos seguros e sincopados

E é por isso que declaro a cada manhã que nasce
O amor que é quase tarde já espiando a madrugada
Onde jogamos o jogo dos corpos enrodilhados
Serpentes domesticadas pelo antídoto do afeto

amar-te é a sina de meu peito escancarado!

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Da inquisição negada - Cado Selbach

DA INQUISIÇÃO NEGADA

Há uma caverna em meu peito!

De onde ecoam tambores
Que quase me ensurdecem
Feito orquestra de malditos

Descompassada e nervosa
Rouba o ar - já tão escasso
E me criva de perguntas
Frente as quais sempre calo

Há muito já desisti de entender-me nessas horas
Nas quais vislumbro a imagem de um pássaro angustiado
Enjaulado no meu peito a corroer-me as entranhas
Parecendo em alguns dias querer carta de alforria

São dias insustentáveis... de raiva e melancolia
Na ciranda alucinada de afetos em entropia
Em dança quase macabra de bruxas alucinadas
E um tanto desavisadas dos loucos inquisidores

E é nessas horas sem tempo que caminho pra fogueira
Talvez pra tornar-me cinza do que não fui e anseio
E libertar chamuscado o pássaro que me habita

E há muito anda calado, com ares de desconfiança
No tal macabro silêncio que precede algo sinistro

E os pensamentos revoltos qual cabelo solto ao vento
Jogam-me pra todo lado... flor de algodão à deriva
Pra que quem sabe enfim entenda a imperiosa potência
Dos semi-domesticados demônios de minha infância

São horas em que calar-se não resulta em bom silêncio
Mas num navegar contínuo sem bússola nem sentido
Ouvindo o quebrar das ondas no casco já desgastado
De minha nave dos loucos na qual passeio sozinho

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Das tardes em que anoiteço - cado selbach

DAS TARDES EM QUE ANOITEÇO

Anoiteço antes do dia nas segundas
Em tardes que arrasto feito folhas
Sopradas destas árvores de outono
Douradas pelo sol que ainda brilha
E dança com o vento nas calçadas
Que sopra em meus ouvidos feito canto

Recolho-me ao meu mundo protegido
Por coisas que me dizem do que sou
Sobretudo quando ando às escondidas
Para que não me exijam nada além
Do pouco a oferecer quando me calo
E guardo em relicário minhas palavras

Decido não deixar que estas se percam
Em frases de efeito - duvidoso
Não as sorvo vorazmente como antes
Nem espero desdobrá-las feito gozo
Talvez as queira simples e precisas
E só se for preciso irei soltá-las
De minha garganta hoje amortecida

E pra não sucumbir ao meu silêncio
Canto trechos mágicos de músicas
Derramando poesia nos lençóis
Aquecendo-me com as vozes de outros homens
Para não perder da poesia o mote
Já que sei que mais tarde irei gestá-las
No ventre dos meus dramas recorrentes.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Da eloquência do silêncio - Cado Selbach

Da eloquência do silêncio

Cerco-me de silêncio para ouvir-me

E meus pensamentos

- sempre abarrotados -

Distraem-se ante os cantos dos pássaros de chuva

E então povoo a casa de outro canto - ensolarado
Pra que as sombras da tarde
Não se fundam as minhas próprias

E assim convoco o corpo que acorda sempre tarde
A espiar a rua, das venezianas azuis
E a chuva faz um lago nos brinquedos da pracinha
Na entediada tarde de shoppings e vídeo games

A casa toda ainda dorme... enquanto escrevo em silêncio
Bem na hora dos fantasmas soprarem seus versos soltos
Que transformo em poesia pra dizer-me de meus temas
Recorrentes... insidiosos, serpentiando o dia a dia.

Mas já deles não me ocupo - deixo que de mim se ocupem
Pois aprendi com relógios que de tão velhos pararam
A esperar paciencioso que mais tarde se anuncie
A hora das badaladas que expulsam letargias

...

Sempre acordo bem mais cedo do que a hora em que acordo
E espero algumas horas pra existir assim - de fato
Logo que retorno, tonto, do "palácio de meus sonhos"
É autômato que escrevo... poemas por insistência

Já que em dias em que a chuva, talvez me faça recluso
De pensamentos prolixos e lógicas obtusas
Vou logo torná-los versos antes que a chuva passe
Ou que passe esse estado de dormitar acordado

Pra que o poema carregue tonalidades oníricas
Matéria prima sagrada do que foi e está por vir
E nasça purpurinado de emoção explandecida
Já que anda insistindo em temas de despedida

Meu poema sempre nasce pra receber o teu colo
Que ganho quando me dizes que dele te apropriaste
E que os sentidos plurais, cambaleando entre as palavras
Também te fazem sentido... se consegui, por esforço
Equalizar os meus ditos, com sentimentos urbanos
Que quase posso afirmar, que comigo compartilhas.

E se deles tanto entendes, como se em mim estivesses
Convoco que tuas palavras também vertam poesias
Dessas tão descamizadas e desacademizadas
Feitas da matéria prima de afeto explandecido.

E já creio - há muito tempo - que o obscuro da vida
Ganha matizes solares sempre que nasce um poema
Mesmo quando nasce tonto e bem cansado da lida
Das guerras de todo dia... e dos amores de sempre

Em memórias a granel, que feito gotas de chuva
Camuflam choro de agora, o doce choro da espera

Do que enfim sempre queremos
Mesmo que nunca saibamos...

Ou esquecemos de propósito

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Exercício de escrita (ou sobre a imperiosa necessidade de escrever) - Cado Selbach

Não sei o que escrever. Pergunto-me, então, sobre o porquê dessa
imperiosa sensação de que preciso fazê-lo. E quase não resisto a
evasivas e respostas adocicadas. Penso em minha alma inquieta e sua
angustiante necessidade de se expressar. Penso que é segunda feira e que
preciso fôlego pra organizar meu dia antes que as pessoas comecem a
correr pela rua lotando restaurantes a quilo. Penso em tudo o que
preciso fazer à tarde e percebo que preferiria continuar escrevendo -
sem parar - ao longo do dia. Que escrever é vício e sacerdócio. Uma
idEia, então, toma-me em sobressalto: Quem sabe corro à estante, abro o
livro que estou lendo no momento e leio as dez primeiras palavras do
segundo parágrafo da página 64? Escolha aleatória, evidentemente.
Resolvo seguir meu ímpeto; e, em segundos, já o tenho em meu colo: "O
ENCANTAMENTO DE LILY DAHL" da escritora americana Siri Hustvedt. E com
voracidade entusiasmada, abro a página 64, corro até o parágrafo já
mencionado... e lá estão as dez palavras semente:

LILY FITOU
MABEL DE VOLTA PARA VER SE O COMENTÁRIO

E penso em enganá-los,
procurando algum parágrafo que inicie com algo mais revelador; alguma
sentença mais contundente e conclusiva. Afinal, comecei a ler o livro
ontem à noite... e não avancei além da quarta página. Não posso me
apoiar em impressões sobre os personagens reais. Então, entrego-me ao
delírio e leio a frase novamente, tentando capturar ali algum sentido
real ou inventado, torcendo pra que me propulsione a algum lugar. Penso
que Lily (seja ela quem fôr) importa-se com a reação de Mabel a seu
comentário. Imagino que se preocupa com o impacto de suas próprias
palavras... e travo. E penso no quão invasivo costumo ser com esse meu
jeito de dizer tudo. E que nem sempre fito as pessoas para averiguar as
reações que meus ditos produzem. E é então que me lembro-me de uma
discussão recente, no messenger com uma amiga que me conhece o suficiente pra não temer a esfinge
esfomeada sempre à espreita em meus olhos. Disse-lhe algumas palavras
duras e não a fitei pra concluir o impacto exercido por elas. Ou o
estrago que pudessem ter causado. simplesmente disse. E provavelmente
tenha criado um profundo abismo entre nós dois. Volto a pensar em Lily e
invento que Mabel é alguém muito importante em sua história. Ergo-me da
cadeira em que estou sentando e busco um café. Já não sei o caminho a
seguir e quase me incomodo em pensar que posso estar escrevendo pra
ninguém. Não há certeza alguma de teu interesse pelas minhas
elocubrações confusas a respeito dessas mulheres (ou serão crianças?). E
nem sobre meus desentendimentos prosaicos com amigos dos quais vocês nada
sabem. Mas sou surpreendido pelo pensamento de que muitos de nós
fitaremos pessoas ao longo do dia, atrás de tentar entender o impacto de
nossos atos sobre elas. E muito do que veremos em seus olhos serão
meras projeções de nossas fantasias. idéias inconsistentes e imprecisas,
amarradas a nossos próprios preconceitos e percepções subjetivas. Volto
a pensar no diálogo virtual com minha amiga e tenho vontade de
telefonar para ela e tentar descobrir o impacto que posso ter causado
com meus comentários pontiagudos, naquela manhã de sábado com humor de
finados. Tenho vontade de fitá-la pra deduzir qualquer coisa. E me pego
sorrindo ante à ideia de um chopp de final de tarde em companhia dessa
amiga, onde já terei impresso esse escrito de constrangedora banalidade e
sublime utilidade.

E é então que vasculho meu cérebro com a agitação de mulheres nervosas
em dias de faxina, arrastando móveis pela casa toda e abrindo janelas
cheias de sol pra acordar qualquer pessoa que possa atrapalhar o ímpeto
furioso de limpar, limpar, limpar, limpar, limpar... e me ponho a
filosofar sobre o fato de que qualquer junção de dez palavras contém um
mundo de possibilidades. contém fragmentos da história de cada um de
nós; e pode nos conduzir a qualquer mundo que desejemos e ganhar
contornos surpreendentes, tecendo - inclusive - finais felizes pra
desentendimentos banais. Decido terminar rapidamente esse escrito e
corro ao telefone pra convidar a amiga que soterrei de palavras no
sábado pela manhã, prum chopp de final de tarde. E o dia ganha um novo
significado, na mesma hora em que o relógio avisa que os restaurantes a
quilo já transbordam de pessoas à espera da sexta-feira. E que preciso
correr pra um deles.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Amor de invento - Cado Selbach

AMOR DE INVENTO

No coração cheio de sextas-feiras
É liberdade ainda que à tardinha
No céu o "V" da migração dos pássaros
No chão a areia de praia tão minha

Tão minha a sina de viver sozinho
Cercado de meus restos de naufrágio
No peito bate um samba sincopado
Na mente sons daquele antigo adágio

Saio pra noite já entorpecido
Cambaleando passos de tristeza
Terceiro copo num bar de calçada
Terceiro porre nesta mesma mesa

Noutra calçada segues me esquecendo
Água perrier e um cálice de vinho
Um outro cara toca teu cabelo
E então desenhas teu novo caminho

Enquanto isso vejo em outros olhos
Um verde tom falando de promessas
Então embarco em nova velha história
Tão sem critérios... só por pura pressa

E por vadio meu coração selvagem
Fala de amor em menos de três dias
De amor que invento pra esquecer teu rosto
Na madrugada agora já tão fria

Tres dias ligo pro teu fone mudo
Pra te dizer que sempre será tempo
De mergulhar neste teu corpo casa

...

Quando acabar o meu amor de invento.


Cado Selbach

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Penúltima vez - Cado Selbach

PENÚLTIMA VEZ

Na penúltima vez em que foste embora pra sempre
Sacudi meus ombros com algum desdém
Uma planta com raízes flutuantes
Na verdade não se apega a ninguém.

A ninguém que use palavras feito facas
Em olhares faiscantes de amargura
E com gesto de esgrimista concentrado
Rasgue o ventre do desejo... já sem cura.

Sigo assim o meu caminho a tatear
outros corpos à procura de outra alma
Só encontro simulacros do que foste
Quando fiz de teu abraço minha calma.

E agora que retornas com desculpas
E esse tom de "nada sei" em olhos vagos
Meu sorriso ensaiado te recebe
Para um novo faz de conta em tom errado.

Faz de conta que perdeste enfim teu peso
Não do corpo... mas da alma atormentada
E que o beijo de saudade em gosto amargo
Inaugura um novo tempo em minha estrada

Penso então que teu abraço não encaixa
Pois meus braços pendem agora lado a lado
Já não creio no teu texto de revista
E teus gestos de amor coreografado

Faço malas

- não as minhas... fique claro -

E proponho que recues rua afora
Já não sinto que haja em mim qualquer saudades
Ou vontade de te amar...

Já não é hora!

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Poema preguiçoso - Cado Selbach


POEMA PREGUIÇOSO

Hoje meu poema é feito de preguiça
Da cuidadosa preguiça de tecê-los
Por saber-lhes delatores de segredos
Que desvelas desfiando minhas palavras

E pra compor esse poema arrevesado

- Por saber-se incapaz de ser poema
ante olhos e ouvidos exigentes -

Deito-lhe no berço nada explêndido
De verbos arrastados e ambíguos
E até prometo certas precauções
Pra não floreá-lo dos adjetivos
Com que 'tento lhes dizer do amor que tenho'
Que decido imortal... por não ser chama

E por preguiça poupo-me dos temas
Que povoam quase todas minhas páginas:
Despedidas, desafetos, desamores, desencontros...

e corro atrás de algum prefixo... que os des-enredem
Destecendo 'churumelas' glicozadas
Pra talvez fugir do palco das paixões...
Paradoxos de dor e encantamento

Dos quais - por preguiça - não lhes falarei agora

E é então que me angustia a greve de minhas palavras
unidas em assembléia pra discutirem seus gostos
Pra cobrirem as novas páginas... estas do hoje em diante

Todas elas... tão barrocas... rococós do pensamento.

Decididas a encontrarem uma falha em meu intento
Uma brecha iluminada com palavras escondidas:
Amor, paixão e desejo, encantamento e saudade

E sem me dar por vencido, na primeira tentativa
De açucararem meu texto, declaro neste contexto
Já de carona na rima... que falarei de protestos
Guerra e paz, orgulho e sina...

Inclusive a antiga sina de escrever poesias

De "amor, paixão e desejo, encantamento e saudades"

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Subversão (poema barato) - Cado Selbach

SUBVERSÃO - POEMA BARATO

Escrevo poemas
Assim como quem dança

Pra exorcisar
Toda chatice
E todo o peso que há em mim.

E o poema sai assim...
Meio torto
Meio poema
Vivo morto

De dar pena!

Dança sem ritmo
Erra na divisão

"Bambeia..bamboleia"

Trôpego... travado

Quero-o rasteiro

- Às vezes -

Ainda que o chão não seja
meu território preferido

Quero que insinue verdades
E conte algumas mentiras

Mentiras sobre minhas verdades
E verdades sobre minhas mentiras

Meu poema ri da anarquia
Por desobedecer até suas anti normas.

E em desobediência delirante
Anda em círculos... se retro-alimenta
E tropeça em emoções baratas

Poema Barato...

Em liquidação: leia um, leve dez.

Cheio de truques baratos

Poema pra dar barato.

Anti-poema

E quero seguir assim..
Meio anti-poeta

Insistente em seu lirismo
De mesa de bar
Em algumas citações decoradas

Hospedaria de meus delírios

Cheio de espaços entre frases tortas

Rasteiras

Ligeiras e fugidias...

Quero meu poema em tua gaveta
Amassado...
Sublinhado...

Escrito à mão!

Quero que silencie
Tuas chatices
E intelectos pretensiosos

E que te roube as armas que carregas

Que preserve sua ternura
E te liberte de conceitos

Que vá morar em tua memória
Cheio de versos esquecidos

Quero que deslize
Rio abaixo...
E ria de obstáculos

Que exista sem permissão!

E que um dia te encontre

"pra te explicar o que feriu"

E dizer do que não vingou.


Cado Selbach

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Beijo gay ou pancadaria homofóbica? Ou: sobre como a rede globo capricha quando erra

Beijo gay ou pancadaria homofóbica? Ou: sobre como a rede globo capricha quando erra

Tenho visto que o tema da homofobia está na ordem do dia. Um garoto, gay, morre espancado por jovens universitários da classe média carioca, numa cena triste e violenta, na novela das 9 da vênus platinada globo. E não é o primeiro episódio de ataque a homossexuais que a novela explora. vem aliás, abusando desta temática no espaço que destina a ela em sua trama.

Surge então a questão: porque não inserir na trama o já lendário "beijo gay", até pra encerrar este assunto idiota, e estampar em cores vivas atos de homofobia?

diante do tema, posições diversas. Há os que argumentam que a violência retratada, joga um holofote sobre um tema delicado e pode vir a sensibilizar segmentos da sociedade que sequer conhecem, de fato, esta realidade. Neste sentido, se estaria prestando um serviço de conscientização aos telespectadores da emissora e abrindo espaço para um debate importante.

Já outros, argumentam que há uma contradição neste "fazer questão" de expor a violência contra os gays (com tanta crueldade e riqueza de detalhes) e a recusa (ou demora) a mostrar a intimidade entre dois homens.

Resolvi sintetizar minha opinião: Na verdade, esta aparente diminuição do preconceito em relação à diversidade sexual deve-se ao fato de que progressivamente aumenta a pressão midiática na direção da aceitação do direito à livre expressão sexual. O que resulta numa necessidade das pessoas se adequarem às novas regras de convivência entre as diferentes orientações e entenderem como conveniente a aceitação do que, comumente, lhes soa estranho. Nessa direção, parece mais confortável lidar com a condição homossexual se for possível cobrí-la com um véu, que suavize o tom rubro do tesão e do desejo. Mais ou menos isto: Tudo bem ser gay... mas por favor, me poupem de detalhes. Ou seja, não deixem que se evidencie qualquer eroticidade nesta relação.

Isto posto, sim... acho que foi bastante infeliz e subliminarmente homofóbica a "campanha da globo". Homossexualidade associada a preconceito, risco, violência, intransigência e não à aceitação; esta é a mensagem.

Acho mais digno do que se fazer a linha "trabalho social" pra colorir de sangue a tela da novela, matizá-la com uma cena de homoafetividade entre dois homens.

domingo, 7 de agosto de 2011

Nau das certezas - Cado Selbach

NAU DAS CERTEZAS

Faço do teu corpo
Meu templo de pecados sensoriais

Sinestésicos passeios em tua pele
Em atos de combate à letargia dos amores

...

Desde o começo da história
De tesão à primeira vista
Descobri que eras meu porto
E eu barco pra tua partida

Mas e se um dia partires...
Numa outra embarcação?

A nau das minhas luxúrias
E pecados de verão
Singrará mares noturnos
Pra encontrar-te em teu exílio...

De ocaso e solidão

Pois quando aqui atracaste
Com containers de esperança
Em voz e beijo roubado
Esperei que me quisesses para sempre

Em tua lembrança

...

E se encontrar-te flutuando
Na bubuia em águas turvas?

Lembrar-te-ei com meu beijo
Que meu corpo é tua casa
Meus braços a tua espada
Minha boca teu sorvedouro

E ainda assim se quiseres
Seguir conquistando os mares
Por deslumbramento fátuo
Farei acordo com os anjos
Pra guardarem os teus passos
Monitorados de longe...
Por minha bússola invisível
De intuição e certeza

De que somos sol e lua
Luz e sombra embaralhados...


Cado Selbach

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Dos Olhares em que insisto - Cado Selbach

DOS OLHARES EM QUE INSISTO

Ando pela rua provocando olhares
Até que se desviem do meu - tão insistente

Mulheres, homens, velhos... crianças.. ateus, crentes
Olhares sãos e dementes... desejosos e indiferentes
Irritados, complacentes... cegos talvez pra sempre

E por certa vaidade ou defesa disfarçada
Não baixo meus olhos antes de que o outro se recolha
Preciso espelhar-me sempre nos olhos que se aproximam
Para assim reconhecer-me e ainda saber-me pleno

... e desconfio de um eu
Provocador e sedento
Por rostos que não ostentem
O medo de nossos dias.

Medo até de embaraçar-me num olhar desavisado
Que revele alma tristonha de algum formigueiro urbano
De claustrofóbica densidade... e de tantos homens tristes
Exilados de si mesmo por frustrações somadas
e sonhos subtraídos dos cenários do passado

Olho teus olhos agora, não pra querer desvendá-los
Mas por essa desconfiança que há muito me acompanha
De que sorrisos gratuitos que já não se usam hoje
Possam ser ressuscitados por olhares desnudantes

Mas não desisto de usar os meus olhos como arma
Não de sedução barata e piscadelas ensaiadas
Mas como dossiês da verdade... de meu amor pelos homens

E mulheres já cansadas de pensarem que precisam
Da sedução embalada em frascos e adereços
E só buscam muitas vezes... ter suas almas desveladas

E seus corpos
Bem tratados por homens atrapalhados
Quase sempre ocupados
Em cortar cordão antigo... de mães muitas vezes mortas
Mas ditando atos e formas... restrições e saudades

dessas paralisadoras... das quais nos
escondemos.

Cado Selbach

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Circo de encantamentos - Cado Selbach

CIRCO DE ENCANTAMENTOS

Descolorem-me os dias
Em que a arte e a poesia
Não me acordam logo cedo
Assim que raia... o meio-dia

Vou pra rua em tom de bege
Mesmo em roupas coloridas
Pois a cor que me interessa
É de alma explandecida

Já que esta só se exibe
Quando a arte lhe carrega...

Pois cada um de meus gestos
A mim só ganha sentido
Quando tornado palavra
Proferida como verbo

Verbos cheios de quereres
Sublimados em canções
Dessas que me enternecem
E fazem dançar fantasmas
Em sótãos de casarões
Desses que nos desamparam
Por falarem de passados
Em venezianas antigas

Que empurradas pelo vento
Escancaram-se insolentes
Anunciando a invasão
Do sol há tanto esperando
Na sacada colorida
De meus vitrais mandálicos

Espero então que amanhã
Antes mesmo que alvoreça
O sol nasça em meu peito
Desenhando em mim sorrisos
E tudo que for preciso
Pra que meus passos velozes
Ganhem ruas e avenidas
Como criança curiosa
Num circo de encantamentos


Cado Selbach

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Pássaro das canções - Para Vânia Bastos (Cado Selbach)

PÁSSARO DAS CANÇÕES - Para Vânia Bastos

Persigo incansavelmente
O estado de alma despida
Pela voz sacralizada
De tua garganta de pássaro
E coração de floresta

Quem sabe ela me transforme
No colibri da canção
De um certo circo de sonhos
E místicos grand-finales

Mas persigo delicado
sem arroubos de fã cego
No teu castelo de notas
E claves de sois noturnos
E vaidosos sustenidos

Já que da voz já me basta
O privilégio de ouví-la
Com tamanho encantamento
Que ao fazer-me
crer em anjos

Desafia, impertinente
Meu ateísmo confuso

E ouvidos apaixonados
Pela pulsação da vida
E por vozes que insinuam
Segredos de uma magia
Que só mulheres conhecem

Pois canções são bebês
Nascidos de vozes ventres
De agudos e melismas
de dor e de encantamento

E sigo assim, deVANIAndo
Ao ouvir vânia cantando
Cantigas feitas poemas
Que ouço em todo o momento
Em que preciso cobrir-me
Com o véu de fina estampa
Transcendida da palavra
Virando onda
Frequência
Volume

.........................

Incandescência
dos corações gelados
Que ao ouví-la descobrem
Que a velha lua no céu
É lustre do cristal das vozes
Condensadas em sua garganta
E em alma de princesa
Cantando pra rei risonho.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Do mal - Cado Selbach

Do Mal

Arrastam-se os dias de inverno
E me levam longe feito folha n'água
Há sede de sol e verde renovado
E aquele "pote até aqui de mágoa"!


Há uma inconformidade com o hoje
E uma incessante sede de amanhã


Silêncio atordoante


Vida vã

Há essa tristeza quase euforizante
E um silêncio de pavor e medo
Há o relógio me avisando agora
De um amanhã em que acordo cedo


Há o gotejar da chuva na calçada
E a incipiente lágrima de agora
Há um vazio atrolhado de coisas
E um desamparo na vida lá fora


Há um não saber-se muito se afirmando
E um afirmar-se sem saber de nada
Um corpo inerte ante seus desejos
E um rosto triste em alma deformada

E há aquele pássaro dentro do peito
Voo abortado em jaula de rotinas
E a sua vontade de f%@&# com tudo
E incendiar as gaiolas do dia


E há meu eu lá dentro acabrunhado
Sem entender porque tamanho drama
E esse corpo ainda não cansado
Mas que... não sei porque
Se cola a cama.


Cado Selbach