sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Horas dizem nada (alguns pensamentos sobre o tédio) - Cado Selbach

Horas Dizem Nada (alguns pensamentos sobre o tédio)

Sempre imagino o tédio como se ele tivesse alguma materialidade. Como se fosse meu vizinho do lado. Aquele a quem cumprimentamos quando acordamos razoavelmente dispostos; mas que não se importará com nosso silêncio em dias menos propensos a palavrório. Penso-o como um profissional cujo trabalho não é nem bom nem ruim. Apenas necessário e cotidiano. O tédio não se importa com o cotidiano; mesmo porque se alimenta dele. Nutre-se das pausas entre os momentos de alegria ou tristeza. De gozo ou desespero. É cheio de vazio e não quer dizer coisa alguma. Entedia-se com sua própria e monocórdica voz. Não tem vocação para tragédia. O tédio não se suicida. Suicídio é um tédio; e ao mesmo tempo em que a sucessão de vivências desse estado de alma, entristece... não imprime suficiente vigor ao sujeito para movê-lo a lugar algum. O tédio é uma valsa tristemente tocada num salão para terceira idade. Mas um salão onde não haja lirismo ou poesia. Só a insistência em parar o tempo. O tédio brinca com o tempo... rouba-lhe a sua própria temporalidade. Insere-lhe um prefixo de negação e torna tudo atemporal. O tédio é brisa leve. Mas tão leve que não faz mover a folha da árvore e não provoca arrepio. Arrepiar-se requer o banimento do tédio. O tédio nasceu num domingo à tarde, tendo o mal humor como parteira. Sabe-se que é contagioso; há quem diga que mais que a alegria. Pode ser uma couraça eficaz contra a tristeza ou depressão. Essas são mais expressivas e cheias de histórias pra contar. O tédio faz silêncio. Nunca faz alarde de si. O tédio jamais escreverá um texto brilhante. Isso contrariaria sua essência melancólica. Mas esta, sua irmã, é mais charmosa. Afinados com ela, muito já se produziu em todos os domínios da arte. O tédio, distraído com sua narcisista necessidade de nutrir-se de si mesmo, nem sequer voltou seus olhos pra obra da melancolia. O tédio despe as músicas de sua capacidade de produzir estados de enlevo e sublimação plena. O tédio não precisa sublimar nada. O tédio não é!
(Cado Selbach)