terça-feira, 27 de setembro de 2011

SÓ - Cado Selbach



Arrasta o corpo velho
Na velha avenida dos foliões

... Seus passos de hoje
O levam sem pressa
Pra lugar algum
Ou pra qualquer lugar

Qualquer vida vive
Após a derrocada
Da vida que escolhera

Resta-lhe apoiar-se
No andador das lembranças
Fragmentadas, difusas
Emoções encaixotadas

- já etéreas -

Do que antes concretara-lhe
A existência!

Restam-lhe netos invisíveis
E mensagens eletrônicas
Pro velho cibernético

Um livro de rostos jovens.
E o seu! mapa ou tabuleiro
Não de baianas malemolentes
Mas de passos rente aos pés
Rente ao chão que inda lhe resta

Velho abandonado a sua sorte
vira as costas todo dia para a morte
que espia da janela do lavabo
Nos gritos das crianças excitadas

E a cada grito envelhece
E a cada grito entristece
Seu rosto mapa e estrada

Sua expressão de quase medo
Seu tesão por quase nada
Além da lembrança sorridente
Da cinta liga de mulher da vida
Da vida que já faz tempo

Muito tempo

Lhe bastara

sábado, 17 de setembro de 2011

Toda maré

TODA MARÉ

O fugidio poema quase me escapa de novo
Quase que foge pra rua... quase que desce as escadas

Mas minha vontade rascante de traduzir-me em palavras
Conseguiu capturá-lo pra que eu pudesse dizer-lhe:


Ele não quer dizer nada... Ele só quer ser poema
Ele abusa das palavras e as organiza... confuso
Pretendendo - ora vejam - que te toquem e comovam
te inquietem e te movam pros teus lugares de sempre


Ou que ao menos te inquietem, levando teu pensamento
Pros seus abismos sagrados, ou teus vulgares segredos

Aquilo que preferires


Meu poema fala de meus medos que também são teus


Tarde ou cedo


Ele é a pele do corpo pulsante que leva minha alma


Deambulante


Pra todos lugares em que já estive... 
pra todos os lares
todos os bares... pra todos os mares.

todas as marés...

toda tempestade no oceano onírico
De todas imagens que habitam teu peito


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Outra escrita

OUTRA ESCRITA

Já não percorro velhos caminhos
E nem sequer olho pra trás

... Tenho em meus olhos
O espelho das coisas futuras

- Notícias do que está por vir -

E um melancólico vazio
Ante ao que não mais será

Sairei para rua hoje
derramando meu jarro de lembranças
no córrego da indiferença e do desdém

Não seguirei o percurso do que deixei pra trás
E farei pouco caso de tudo que já foi

Nascerão de mim sementes de vir a ser...
E só então serei tudo o que o outro

- do passado -

Até hoje me negou

Reescreverei minha história, então
E nenhuma página dirá dos meus antigos vetos

E nem da angústia de hoje.

Nascerei de novo... nesta noite!

E prometo levar-te comigo...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Diálogo do tempo - Cado Selbach

Diálogo do tempo

Amarro meus pés cansados
À bola de ferro do tempo
E o arrasto na alameda
Das dores agudizadas
E no beco sem saída
De minhas recorrentes perdas

Movimento-me autômato
Em círculos de desespero
E cavo o chão de meus mortos
Em ato descompensado
De vida sendo insuflada
Aquilo que já não era

Quando concluo que a ceifa
De Cronos enfurecido
Aborta as vãs existências
Qual adaga enferrujada
No peito hoje rasgado
De um eu quase inocente
Mas já um tanto cansado
De abruptas despedidas

E talvez já seja tempo
De colher delicadezas
No meu quarto de lembranças
Pra que me sirvam de antídoto
Pro que em mim sempre desiste
De filtrar a enxurrada
Dos suplícios de saudades
De onipresentes ausências
A preencherem espaços
De memórias que esvanecem
Mas redesenham os sentidos
Atribuidos a tudo
Que nos centra e nos reporta
Aquilo que abandonamos

Ou nos tenha abandonado...

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Eu e as horas - Cado Selbach

"Todos os dias quando acordo
Não tenho mais o tempo que passou
Mas temos muito tempo
Temos todo o tempo do mundo..."
(Renato Russo)

Eu e as horas

Há dias em que as horas parecem correr mais do que nós. Em que nos sentimos paralisados diante dos ponteiros do relógio anunciando os diferentes períodos do dia. Sempre achei engraçado isso de sermos tão condicionados a obedecer a ceifa de Cronos. Nem sempre o corpo está pronto a acatar os mandatos que surgem a cada volta dos ponteiros, dizendo-nos para que serve cada hora. Determinando-nos o que temos de estar fazendo a cada instante para nos comportarmos como pessoas adaptadas ao universo particular a que pertencem.

Sou feito de muitos universos. E nem todos conhecem limites. E alguns que sabem que eles existem, porventura se rebelam - ou adoecem. A vida que nos habita nem sempre cabe na vida que nos determinam. Ou seremos nós que a determinamos? Serão sempre nossas as escolhas?

Vivemos continuamente ocupados da tarefa de não perder tempo. Mas o que será exatamente perdê-lo?

Uma hora vazia onde a mente passeia por diferentes paragens e simplesmente contempla a própria vida é uma hora perdida? Esta hora em que aproveito uma brecha de meu dia pra pensar sobre as questões que abordo aqui, será tempo perdido ou jogado fora? A hora em que o relógio nos arranca da cama sem nenhuma cerimônia pra que nos organizemos com as atribuições do "dia útil" é mais importante (ou digna, em termos morais) do que as vividas no ócio?

Será o tempo "um dos Deuses mais lindos", parafraseando Caetano Veloso em sua música "terra"? Somos senhores de nosso próprio tempo?

Há aqueles dentre nós que simplesmente seguem a ordem do dia... organizada e metodicamente. E há aqueles cujo tempo interno normalmente duela com o tempo cronológico; os que sentem que a vida é curta e que nos cabe imprimir a ela um ritmo orgânico, natural e espontâneo. Não poder resolver essa equação tem um efeito devastador sobre o homem, expropriando-o de sua própria essência e o robotizando na obediência à cinza das horas. Precisamos todos resolvê-la, portanto, pra nos tornarmos protagonistas de nossas próprias histórias. Só quando o tempo não nos aprisiona é que podemos criar e ouvir o ritmo que pulsa em nosso interior. Venho trabalhando nisto.


Enfim... não gosto de relógios. Gosto do tempo ditado pelo nosso próprio corpo e colorido pelas melhores intenções de nossa alma. O tempo enjaulado nos empobrece. O tempo liberto nos engrandece. Mas como não vivemos em um idílico sonho em que simplesmente nos podemos deixar conduzir pelo andar suave da vida, precisamos aprender a viver com alegria aquilo que temos de viver, como no conceito de livre arbítrio, para o criador da psicologia profunda, Carl Gustav Jung. Ao discutir este tema ele desdobra a máxima de que o verdadeiro livre arbítrio está na possibilidade de podermos escolher como viver aquilo que obrigatoriamente temos de viver.

O quão satisfatórios conseguimos ser neste intento, e o que viemos fazendo para gerenciar com competência este domínio de nossa vida é o tema deste texto, que subtraiu 20 minutos de meu dia.

Nesta hora não espero pra ver a resposta da vida e afirmo: nunca é perdido o tempo que usamos para buscarmos nos entender.


sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Passarando

Passarando

derramarei palavras vida afora
para teus ouvidos generosos
que escutarão meus verbos afetados
...como se ouvissem coro dos arcanjos

e enquanto ainda escrever poemas
perseguirei aquele que te alcance
e finalmente diga do que houve
e que talvez nunca tenhas sabido

e no entredito das palavras tortas
trarei notícias do amor errado
e assim tão certo pro meu eu quebrado
de coração de samba sincopado
e alma arredia de bicho selvagem

- por algumas horas enjaulado -

pro teu deleite de homem assustado
e o olhar perplexo pela inconsciência

...

da vida espero só libertações!

de amarras já me ponho farto...
daqui pra frente vôo leve e solto

- E talvez pouse sobre o teu gramado -