quinta-feira, 7 de julho de 2011

Sobre o vagaroso andar de meus dias... assim que se anunciam (Cado Selbach)


Sobre o vagaroso andar de meus dias... assim que se anunciam

Sou destas pessoas que acordam algumas horas depois de abrir os olhos. Assim que aterriso nas manhãs (que às vezes começam ao meio dia) não sou exatamente eu quem conduz os próprios passos. Deixo-me meio à deriva, por um tempo, apenas contemplando o mundo que observo com particular estranhamento ao acordar.

O território dos sonhos me fascina de tal modo que me recuso a abandoná-los como resíduos arcaicos de minhas memórias. Meus sonhos são a trilha que tento percorrer nesses instantes em que, apesar de já estar na rua... o mundo lá fora pouco me interessa. Talvez por minha inegável extroversão, preciso iniciar o dia ouvindo a voz de meu inconsciente, daquilo que em mim habita mas não se submete ao meu controle.

Porém, mesmo nesta atitude de desatenção em completa sintonia com meu ego, pouco preocupado em assumir as rédeas, nunca deixo de ser transpassado pelo que vejo, pelos rostos, na maioria anônimos que dizem tão mais do que imaginam.

E num estado quase onírico, invento histórias para cada uma das pessoas que sustentam estas expressões eloquentes do que são... e, por vezes, do que não conseguiram ser. Imagino o que fazem dentro de seus carros, ônibus, caminhando apressados sabe-se lá pra onde.

É como se nesta hora todos se assemelhassem um pouco. Pelo menos na condição de estarem "de passagem", no interlúdio entre o que foram há minutos atrás e o que virão a ser nas próximas horas.

A cidade é uma selva com espécimes curiosos e vidas em extinção. Não é de alegria a expressão mais comum em cada rosto; mas de uma espécie de perplexidade diante do que se apresenta frente a elas. E ao tecer este comentário, incluo-me inteiramente nele. Acordo perplexo quando o relógio me sugere ou obriga que ocupe um espaço nas ruas que compõem meus trajetos mais comuns. E talvez eu porte, também, um desses rostos anônimos que parecem conduzidos por corpos autômatos e não exprimem nenhuma alegria exuberante. Mas somente uma certa surpresa por terem conseguido compor um personagem convincente pra atuar a tragicomédia do dia.

Acordo tarde, sempre. E nem tenho tanta certeza de que acordo - de fato - todos os dias. Talvez em alguns deles, deixe-me dormindo sob edredons e abraços de calor e aconchego, e só autorize que saia pra rua, uma parte de tudo o que sou.

Cado Selbach.



2 comentários:

Mara De Martine disse...

Nossa Cado!!!Agora você não só falou pra mim, mas você falou de mim!!!!!!!
....rsrs....bjs....

zoraide gesteira disse...

Bravo! a tempos não lia poemas tão incríveis, só lembro de ficar tão maravilhada com poesia quando lia Drumond ou Cecilia ou mesmo Clarice
e outros montros sagraddos...