quinta-feira, 28 de julho de 2011

Calla-me - Cado Selbach

CALLA-ME

Ouço o barulho da taça espalhando-se no chão da sala
E ao olhar meus pés descalços vejo o sangue generoso

E quase esqueço

- cansado -


que tua sala de hoje
Fica em bairro bem distante
De qualquer lugarque eu pise

A taça quebrada em golpe
Contra a porta da saída
Quebrou-se na tua ida
Pra um mundo em que não caibo

E o vermelho que me cobre
Já viscoso entre meus dedos
De mãos e pés desnudado

Jorra de meus pulsos frágeis!
E do coração selvagem

E é então que alucino
E uso a tinta hemoglobina
Pra desenhar na parede
O teu rosto estilhaçado

E mesmo o teto singelo
Faz-se capela sistína
Pra minha obra de arte
Que chamo... sem entusiasmo:

"Da destruição do amor"

E não sei porque "la mamma"
Aparece mesmo morta
Pra resgatar o meu corpo
Que já quase entra no embalo
Da dança deste abandono

"La mamma morta m'hanno
alla porta della stanza mia"

Acordo-me, então, de súbito
Do pesadelo macabro
Onde Callas faz a trilha
Pra minha dança suicída

E decido que no sábado
Não ouviremos ópera

E talvez nos ocupemos
Da idéia sempre adiada

De finalmente cobrir
A parede desbotada
Do vermelho já escolhido

E estocado a tantos anos!


Cado Selbach

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