quinta-feira, 30 de junho de 2011

A nau dos (in)sensatos rumo ao São João


Amanhã será festa de São João, no CAPS em que trabalho. Um espaço de atendimento a usuários da rede de atendimento em saúde mental, que se insere dentro do movimento de luta anti-manicomial. Um dispositivo que visa humanizar o tratamento a pacientes portadores de sofrimento psíquico, em condição de considerável gravidade. Estes a que aprendemos chamar de loucos. Estes que nos causam estranhamento e nos colocam diante do espelho de nossas próprias insanidades.

Há uma atmosfera de excitação entre todos que circulam na casa. Cds previamente separados com músicas de quadrilha, bandeirinhas e desenhos alusivos às festas juninas, e uma expectativa sobre como será a vivência deste momento pensado pra ultrapassar fronteiras de conceitos arcaicos e simplistas sobre a "loucura".

Lembro-me agora de uma frase que ouvi em minha formação acadêmica, que infelizmente, não sei atribuir no momento a nenhum autor... mas que me acompanhou por um tempo: "o louco é nosso outro, assim como o normal é o outro do louco". Não há nada que nos permita afirmar vaidosos nossa pretensamente inquiestionável normalidade. E nada que possa circunscrevê-los ao círculo da doença e nossa necessidade de demarcarmos uma distância fantasiosa entre nossa condição e aquela portada por eles.

Trata-se de homens e mulheres marcados pela dor. Pela dor psíquica tornada ato. Atos que buscam, de alguma forma, driblar o peso de seus anseios e da insidiosa angústia que os consome pouco a pouco... produzindo brechas e vazios existenciais, desdobrando-se em delírios, alucinações... e um modo peculiarmente complexo de interpretar a realidade.

Mas amanhã é FESTA DE SÃO JOÃO. E nada de personagens taciturnos e caricatos. Estarão lá, sujeitos decentes, cidadãos honestos vestidos pra festa. Vestidos com as suas dores, vestidas com cores vibrantes, compondo um personagem outro. Uma outra possibilidade de ser/estar. Estaremos lá pra sermos tocados pelo espírito de deuses que já entenderam que, parafraseando Nietzche, deve ser perdido o dia em que não se dançou.

Famílias estarão presentes juntamente com estagiários, residentes, técnicos... profissionais da saúde. Da saúde menos coesa dentre os que habitam a polaridade normal do eixo que conecta a loucura à sanidade, do que precisamos crer pra nos sentirmos seguros.

A fala do "louco" é verbo incisivo, penetrante, recheada de símbolos que exprimem o que um pensamento desagregado não consegue organizar com linearidade.

Hoje, na oficina de expressão plástica, trabalhamos com a decoração do evento. Fogueiras, balões, bandeiras... e homens e mulheres vestidos com roupas cheias de retalhos habitaram quase todos os desenhos. Desenhos que os separam, ainda que por instantes, do aprisionamento a um estigma.

amanhã acenderei uma fogueira no meu peito...

2 comentários:

zoraide gesteira disse...

quanto mais leio suas postagens, mais aprendo, obrigada Cado.

Moa disse...

Adorei a postagem, e vibrei com " o louco é nosso outro...."